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Conversa sobre a mesa

Conversa sobre a mesa

Seleção das "Conversas à Mesa" de Lutero     


"Conversas à Mesa" (Tischreden, em alemão) é a compilação de anotações feitas por alunos e colaboradores de Martinho Lutero durante encontros informais, como as refeições. A primeira edição das Tischreden foi publicada por Johann Aurifaber, em 1566, vinte anos após a morte de Lutero. A edição completa, porém, só foi publicada em 1836. O texto utilizado aqui vem da tradução para o inglês que o capitão Henry Bell traduziu e publicou por volta de 1650. Semanalmente, publicaremos aqui porções do texto traduzido.

Como ler as "Conversas à Mesa"
Esta é, sem dúvida, a obra mais utilizada pelos difamadores de Martinho Lutero, que procuram provar através dela que o Reformador era apóstata, herege e blasfemador. A leitura descuidada e preconceituosa dos artigos certamente farão o leitor chegar à mesma conclusão. É necessário ter em mente algumas informações básicas sobre a obra antes de levantar bandeira contra ou a favor de Lutero:

1) As Tischreden são compilações de frases que saíram da boca de Lutero, mas não de sua pena. É no mínimo temerário usar frases soltas de Lutero que foram anotadas por várias pessoas diferentes (muitas vezes às pressas) para fazer acusações sem levar em consideração as obras que o próprio Lutero escreveu e publicou.

2) As Tischreden são organizadas por assunto, sem levar em consideração o contexto em que a frase foi dita/anotada. Não é possível intuir nas frases sob quais circunstâncias elas foram proferidas.

3) Lutero é famoso por seu modo rude e até grosseiro de falar. É impossível ler com os olhos do século XXI frases com mais de 450 anos sem levar em consideração a cultura da época. E aqui cabem algumas perguntas: Se Lutero era, de fato, blasfemador e até obsceno, como o acusam, ele seria tão protegido e defendido por tantas pessoas, incluindo intelectuais e príncipes? A teologia de Lutero teria se espalhado pela Europa? E o que dizer sobre a forma de culto, os escritos e a produção artística dos luteranos contemporâneos de Lutero e das gerações seguintes, eles não deveriam estar cheios de "blasfêmias e obscenidades"? As cantatas de Bach e de Haendell, tão populares entre cristãos de todas as igrejas, não deveriam ser execradas?

4) Recorra à fonte primária! Há dúzias de páginas na Internet que se dedicam a acusar Lutero de tudo, de obcenidades a blasfêmias intoleráveis, mas que recorrem à fontes secundárias e terciárias para fazê-lo. Pior: o mais comum é encontrar frases atribuídas a Lutero que não se econtram em nenhum outro lugar.

Nosso objetivo ao disponibilizar as Conversas à Mesa para os internautas não é de levantar ou promover disputas com outras denominações cirstãs. Também não buscaremos defender Lutero das freqüentes acusações que contra ele são proferidas. A história já o defende. Nosso objetivo é oferecer acesso a uma pequena parte do pensamento daquele que a revista americana Life considerou o terceiro homem mais influente do milênio.

Soli Deo Gloria!

Conversas à Mesa
As citações bíblicas, salvo indicação em contrário, são da Nova Tradução na Linguagem de Hoje,
e da tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada, publicadas pela Sociedade Bíblica do Brasil.

Parte I: PALAVRA DE DEUS

Parte II: AS OBRAS DE DEUS

 

Conversas à Mesa
As citações bíblicas, salvo indicação em contrário, são da Nova Tradução na Linguagem de Hoje,
e da tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada, publicadas pela Sociedade Bíblica do Brasil.



Parte I: PALAVRA DE DEUS
Artigos I-VII, VIII-XIV, XV-XXI, XXII-XVIII, XIX-XXXV, XXXVI-XLII

I.

Que a Bíblia é a palavra de Deus e o seu Livro, eu o provo desta forma: Todas as coisas que existiram e existem no mundo e a forma sob a qual existem encontram-se descritas no primeiro livro de Moisés sobre a criação; exatamente como Deus criou e deu forma à terra, e assim a terra permanece até hoje. Potentados infinitos se iraram contra esse livro e tentaram destruí-lo e exterminá-lo – o rei Alexandre Magno, os príncipes do Egito e da Babilônia, os monarcas da Pérsia, da Grécia e de Roma, os imperadores Júlio e Augusto – porém eles não prevaleceram; estão todos liquidados e extintos, enquanto que o Livro permanece e permanecerá para sempre, perfeito e intacto, como foi dito primeiro. Quem o assim auxiliou – quem o assim protegeu contra tais forças poderosas? Com certeza ninguém, a não ser Deus mesmo que é o senhor de todas as coisas. E não se trata de um milagre pequeno Deus tem preservado e protegido esse Livro; pois o diabo e o mundo são-lhe inimigos furiosos. Acredito que o maligno tenha destruído muito bons livros da igreja, da mesma forma que outrora matou e destruiu muitas pessoas piedosas, cuja memória agora está esquecida, porém a Bíblia Deus de bom grado deixou subsistir. Da mesma forma, o batismo, o sacramento do altar, o verdadeiro corpo e sangue de Cristo e o ofício da pregação permaneceram até nós, a despeito de uma infinidade de tiranos e de perseguidores heréticos. Deus, pelo seu poder único, conservou tais coisas; vamos, então, sem medo de impedimento batizar, administrar o sacramento e pregar. Homero, Virgílio e outros escritores nobres, finos e profícuos legaram-nos livros de longa antiguidade, mas estes representam zero em relação à Bíblia.

Enquanto a igreja papista preponderava, a Bíblia nunca foi franqueada às pessoas em uma forma tal que pudesse ser lida de forma clara, inteligível, segura e fácil, como agora podem fazê-lo na versão em alemão que, graças a Deus, preparamos aqui em Wittenberg.

II.

As Escrituras Sagradas estão repletas de dádivas e de virtudes divinas. Os livros dos idólatras nada ensinam de fé, esperança ou caridade; não apresentam sequer uma idéia dessas coisas; contemplam apenas o presente e o que o homem, com o uso de sua razão material, pode depreender e entender. Não buscam aí nenhuma partícula de esperança ou confiança em Deus. Porém vejam como os Salmos e o Livro de Jó tratam a fé, a esperança, a resignação e a prece; em resumo, A Escritura Sagrada é o maior e o melhor dos livros, repleto de conforto em todas as situações de aflições e provações. Ela nos ensina a ver, a sentir, a entender e a compreender a fé, a esperança e a caridade de forma muito diferente que a mera razão humana pode fazê-lo; e quando o mal nos oprime, ela nos ensina como tais virtudes iluminam a escuridão e de como, após esta nossa mísera existência na terra, existe uma outra e eterna vida.

III.

São Jerônimo, após ter revisto e corrigido a Septuaginta (versão grega do Velho Testamento, geralmente denotada pelo símbolo LXX, feita para os judeus de fala grega de Alexandria, e dita como tendo sido trabalho de 70 tradutores empregados por Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito, em cerca de 280 a.C), traduziu a Bíblia do hebreu para o latim. Sua versão ainda é utilizada em nossa igreja. Sem dúvida alguma, esse foi um trabalho suficiente e de sobra para um homem. Nulla enim privata persona tantum efficere potuisset. Caso tivesse ele chamado para ajudá-lo um ou dois homens eruditos, teria sido o mesmo, pois que o Espírito Santo teria assim se manifestado a ele de forma mais poderosa, conforme as palavras de Cristo: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estarei eu entre eles”. Os intérpretes e os tradutores não devem trabalhar sozinhos, pois boa e propria verba nem sempre ocorrem a uma mente.

IV.

Não devemos criticar, explicar ou julgar as Escrituras por meio de nossa própria razão, mas devemos meditar sobre elas e buscar seu significado de forma diligente e com oração. O diabo e as tentações também nos oferecem oportunidade de aprender e de entender as Escrituras pela experiência e pela prática. Sem isso, nunca entenderíamos as Escrituras, ainda que de forma diligente as leiamos e as ouvimos. O Santo Espírito deve aqui ser nosso único mestre e educador e que a juventude não se acanhe de aprender com esse preceptor. Quando me sinto atacado por tentações, imediatamente pego algum texto da Bíblia que Jesus me concede, como este: porque ele morreu por mim, do que obtenho infinito conforto.

V.

Aquele que se fez mestre dos princípios e do texto das palavras, corre risco mínimo de cometer erros. Um teólogo deve ter pleno domínio da base e da fonte da fé – ou seja, das Escrituras Sagradas. Investido desse conhecimento é que eu confundi e silenciei todos os meus adversários; pois que eles não buscam se aprofundar a entender as Escrituras; eles as examinam brevemente, com negligência e displicência; eles falam, escrevem e ensinam de acordo com suas imaginações negligentes. Meu conselho é que retiremos água da verdadeira fonte e nascente, ou seja, que examinemos as Escrituras de forma diligente. Aquele que possui de forma completa o texto da Bíblia é um eclesiástico consumado. Um único versículo, uma sentença do texto, é muito mais instrutivo que uma gama completa de interpretações e comentários que não são nem enfaticamente penetrantes nem armadura de prova. Por exemplo, quando me defronto com o texto de São Paulo: “Tudo o que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável”, esse texto mostra que o que Deus fez é bom. Agora Deus criou o comer, o beber, o casar-se, etc., conseqüentemente, isso é bom. No entanto, os intérpretes dos pais primitivos são contra esse texto: pois Bernardo, Basílio, Jerônimo e outros escreveram para finalidades bem diferentes. Mas eu prefiro o texto a todos eles, embora, no pontificado, as interpretações falsas eram consideradas de valor mais elevado que o texto transparente e claro.

VI.

Não sejamos privados da Bíblia, mas com diligência, em temor e na invocação a Deus, a leiamos e a preguemos. Enquanto isso permanece e floresce, tudo prospera com o estado; é a cabeça e a imperadora de todas as artes e faculdades. Deixemos apenas a divindade vir, e não darei importância alguma para o restante.

VII.

Os eclesiásticos da escola, com suas especulações sobre os escritos sagrados, tratam de puras vaidades, em meras imaginações derivadas da razão humana. Bonaventura, que está repleto delas, quase me ensurdeceu. Procurei aprender em seus livros como Deus e a minha alma se reconciliaram, mas não encontrei nenhuma informação dele. Eles falam muito da união do bem e do entendimento, mas isso é uma fantasia inútil. A divindade certa, prática é esta: Creia em Cristo e cumpra o seu dever naquele estado de vida ao qual Deus o chamou. Da mesma forma, o livro A divindade mística de Dionísio é mera fábula e mentira. Com Platão, ele diz o palavreado oco: Omnia sunt non ens, et omnia sunt ens – (tudo é algo e tudo é nada) – e, assim, deixa as coisas pendentes.

VIII.

O Dr. Jonas Justus fez a seguinte observação à mesa de Lutero: Existe nas Escrituras Sagradas uma sabedoria tão profunda que nenhum homem pode estudá-la ou compreendê-la completamente. "Ah", disse Lutero, “nós devemos sempre permanecer estudantes nisso; não podemos sondar a profundidade de um simples versículo das Escrituras, nós conhecemos apenas o A,B,C e isso de modo imperfeito. Quem pode se exaltar quanto à compreensão desta uma linha de São Pedro:" Alegrem-se por estarem tomando parte nos sofrimentos de Cristo" [1Pe 4.13]. Aqui São Pedro desejava que nos regozijássemos de nossa mais profunda miséria e tribulação, como uma criança que beija o açoite”.

IX.

As Escrituras Sagradas superam, em eficácia, todas as artes e todas as ciências dos filósofos e dos juristas; essas, embora boas e necessárias para a vida aqui embaixo, são vazias e de nenhum efeito no que concerne à vida eterna. A Bíblia deve ser considerada com olhos totalmente diferentes daqueles com os quais vemos outras produções. Aquele que a si se renuncia e não se fia na mera razão humana, fará bons avanços nas Escrituras; porém o mundo não os entende, pela ignorância de que a mortificação é que é a dádiva da Palavra de Deus. Pode aquele que não entende a Palavra de Deus entender as obras de Deus? Isso é manifesto em Adão. Ele chamou seu primogênito de Caim – ou seja, possuidor, senhorio. Adão e Eva pensaram que esse filho seria o homem de Deus, a semente abençoada que esmagaria a cabeça da serpente. Posteriormente, quando Eva estava novamente gestante, eles desejaram ter uma filha, para que seu filho amado, Caim, pudesse ter uma esposa, mas Eva que estava gestante novamente de um menino pôs-lhe o nome de Abel – ou seja, vazio e nulidade, como se disesse: minha esperança se foi e eu estou desapontada. Essa foi uma imagem do mundo e da igreja de Deus, mostrando como as coisas sempre foram. O impiedoso Caim foi um grande senhor do mundo, enquanto Abel, esse homem correto e piedoso, foi um rejeitado, sujeito e oprimido. Mas diante de Deus o caso foi bem ao contrário: Caim foi o rejeitado por Deus; Abel foi aceito e recebido como a criança querida de Deus. A mesma situação existe diariamente aqui na terra; portanto, não vamos prestar atenção às suas atitudes. O nome Ismael também foi um nome justo – ouvinte de Deus – enquanto que Isaque era zero. O nome Esaú significa agente principal, o homem que deverá realizar o trabalho. Jacó era zero. O nome Absalão significa pai da paz. Essas cores tão justas e gloriosas fazem com que o ímpio sempre controle neste mundo, enquanto que na verdade e na ação são condenadores, zombadores e rebeldes à Palavra de Deus. Mas, por essa Palavra, louvado seja Deus, nós somos capazes de discernir e saber sobre tudo isso; portanto, vamos considerar a Bíblia em grande estima e lê-la de forma diligente.

Para a sabedoria mundana, parece não haver arte mais vívida ou mais fácil que a divindade e o entendimento da Palavra de Deus, de modo que as crianças do mundo serão consideradas totalmente versadas nas Escrituras e no catecismo, mas elas erram o alvo. Eu daria todos os meus dedos, com exceção dos três de que necessito para escrever, se eu pudesse considerar a divindade tão fácil e vívida como eles a consideram. A razão pela qual os homens julgam que ela assim o seja é que eles logo ficam enfadados e pensam que já sabem o bastante. Dessa forma, nós a edificamos no mundo e assim devemos conservá-la, porém in fine videbitur, cujus toni.

X.

Por muitas vezes fiz uma análise completa com a finalidade de investigar os mandamentos, porém, logo no início, ao deparar-me com “Eu sou o Senhor teu Deus”, refreou-me. Essa única palavra, Eu, levou-me ao non-plus. Aquele que tenha não mais que uma palavra de Deus diante de si, e não puder fazer um sermão com essa palavra, nunca poderá ser um pregador. Estou bastante satisfeito que eu sei, embora conheça pouco, o que é a Palavra de Deus, e estou atento para não murmurar em face de meu pequeno conhecimento.

XI.

Eu tenho fundamentado a minha pregação na palavra literal; aquele que quiser siga-me; aquele que não quiser que fique. Recorri a São Pedro, São Paulo, Moisés e a todos os santos para dizer se eles alguma vez entenderam, com fundamentos, uma só palavra de Deus, sem estudá-la de novo, de novo e de novo. O Salmo diz: Seu saber é infinito. Os Santos realmente conhecem a Palavra de Deus e podem sobre ela discursar, mas a prática é outra coisa; nela deveremos sempre permanecer aprendizes. Os teólogos da escola têm aqui uma grande semelhança, que é como se fosse uma esfera ou globo que, estando sobre uma mesa, toca-a em apenas um ponto; porém é a mesa toda que sustenta o globo. Embora eu seja um antigo doutor da divindade, até hoje ainda não fui além do aprendizado das crianças – Os Dez Mandamentos, o Credo e o Pai Nosso; e esses eu ainda não entendo tão bem como deveria, embora os estude diariamente ao orar com meu filho João e com minha filha Madalena. Se eu apreciasse completamente estas primeiras palavras do Pai Nosso: Pai nosso que estás nos Céus e cresse realmente que Deus – que fez os céus e a terra e todas as criaturas, que possui todas as coisas em suas mãos - é meu Pai, então eu certamente concluiria comigo mesmo que eu também sou um senhor dos céus e da terra e que Cristo é meu irmão, Gabriel meu servo, Rafael meu cocheiro e todos os anjos meus assistentes na necessidade, a mim dados por meu Pai celeste, para manter-me no caminho, para que eu não tropece inadvertidamente com meus pés numa pedra. Porém, para que nossa fé possa ser exercida e confirmada, nosso Pai celeste permite que sejamos jogados na masmorra, ou mergulhados n’água. Dessa forma, podemos ver quão claramente entendemos essas palavras, e como a crença se abala, e quão grande é a nossa fraqueza, de modo que começamos a pensar – Ah quem sabe até que ponto é verdade o que consta nas Escrituras?

XII.

Nenhum dano maior pode acontecer aos cristãos que o de lhes ser tirada ou falsificada a Palavra de Deus, de forma que eles já não a tenham de forma pura e clara. Deus nos conceda, e a nossos descendentes, que não sejamos testemunhas de tal calamidade.

XIII.

Quando temos a Palavra de Deus em sua forma pura e clara, então pensamos que estamos certos. Nos tornamos negligentes e nos repousamos em uma vã segurança, já não mais prestando a devida atenção, não vigiamos e oramos contra o diabo que está pronto para tirar a Palavra Divina de nossos corações. Acontece conosco como aos viajores que, conquanto estejam na estrada, estão tranqüilos e descuidados, mas se ficam perdidos na selva ou nas encruzilhadas, procuram, receosos, que caminho tomar, este ou aquele.
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XIV.

Os grandes homens e os doutores não entendem a palavra de Deus, mas ela é revelada aos humildes e às crianças, como é afirmado pelo Salvador no Evangelho segundo Mateus 11.25: “Ó Pai, Senhor do céu e da terra, eu te agradeço porque tens mostrado às pessoas sem instrução aquilo que escondeste dos sábios e instruídos." Gregório diz, bem e com propriedade, que a Escritura Sagrada é uma veio de água corrente onde tanto o elefante pode nadar e o cordeiro andar sem perder o pé.
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XV.

A grande ingratidão, o desprezo pela Palavra de Deus e a teimosia do mundo fazem-me temer que a luz divina logo deixará de brilhar sobre o homem, pois a Palavra de Deus sempre teve seu trajeto certo.
Nos tempos dos reis de Judá, Baal obscureceu o brilho da Palavra de Deus e tornou-se muito difícil destruir seu império sobre os corações dos homens. Mesmo no tempo dos apóstolos, havia heresias, erros e doutrinas más, espalhadas por falsos irmãos. Depois veio Ário e a palavra de Deus foi escondida sob densas nuvens, mas os santos pais, Ambrósio, Hilário, Agostinho, Atanásio e outros, dispersaram a obscuridade. A Grécia e muitos outros paises ouviram a Palavra de Deus, mas a abandonaram desde então, e deve-se temer ainda agora que ela poderá deixar a Alemanha e ir para outras terras. Espero que o último dia não demore a chegar. A escuridão cresce densamente ao nosso redor e os servos divinos do Altíssimo se tornam cada vez mais raros. A impiedade e a licenciosidade campeiam em todo o mundo e estão vivas como porcos, como bestas selvagens, desprovidas de qualquer raciocínio. Mas uma voz logo será ouvida como um trovão: Olhem, o noivo chegou. Deus não vai tolerar esse mundo mau por muito tempo, mas virá como dia derradeiro e castigará os escarnecedores deste mundo.
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XVI.

Reis, príncipes, lordes, cada um deles deverá entender o evangelho muito melhor que eu, Martinho Lutero. Ah! talvez até melhor que São Paulo, porque julgam-se esclarecidos e cheios de políticas. Mas aqui eles zombam e condenam, não a nós, pobres pregadores e ministros, mas a Deus, o Governador de todos os pregadores e ministros, que nos enviou a pregar e ensinar e que os escarnecerá e condenará de tal modo que deverão sofrer. Foi Deus que disse: “Quem toca no meu povo toca na menina dos meus olhos. Portanto, eu mesmo lutarei contra vocês. E toda a sua riqueza será levada embora por aqueles que antes eram seus prisioneiros” [Zc 2.8-9]. Os grandes governarão, porém não sabem como.
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XVII.

O Dr. Justus Jonas contou ao Dr. Martinho Lutero sobre um nobre e poderoso Misnian que, acima de tudo, se ocupava em amontoar ouro e prata, e estava tão imerso na escuridão que não deu atenção aos cinco livros de Moisés, tendo mesmo dito ao Dr. John Frederic que estava discorrendo com ele sobre o Evangelho: “Senhor, o Evangelho não rende juros”. “Você não possui cereais?” Interpôs Lutero e, então, contou-lhe esta fábula: -- Um leão que fazia uma grande festa, convidou todos os bichos e junto com eles alguns porcos. Quando todas as iguarias finas estavam postas diante dos convidados, o porco perguntou: "Você não tem cereais?" "No entanto", continuou o doutor, "no entanto", nestes dias, isso ocorre com nossos epicuristas: nós pregadores colocamos diante deles, em nossas igrejas, os pratos mais caros das mais finas iguarias, como a salvação eterna, a remissão dos pecados, e a graça de Deus; mas eles, como os porcos, viram seus focinhos e pedem moedas: ofereça noz moscada a uma vaca e ela rejeitará o feno velho. Isso me recorda de uma resposta de determinados paroquianos ao seu ministro, Ambrose R. Ele os estivera exortando com veemência a virem e ouvirem a Palavra de Deus. “Bem", disseram eles, "se você abrir um bom barril de cerveja para nós, viremos de todo o coração e o ouviremos”. O evangelho de Wittenberg é como a chuva que se cair sobre um rio, produzirá pouco efeito, mas se descer sobre um solo seco e sedento o tornará fértil".
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XVIII.

Alguém pediu a Lutero seus salmos que estavam velhos e em farrapos, prometendo dar-lhe um novo em troca, mas o doutor o recusou porque ele estava acostumado com sua própria cópia velha, e acrescentou: “Uma memória em mãos é muito útil e eu esgotei a minha traduzindo a Bíblia”.
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XIX.

Nosso caso prosseguirá, contanto que seus advogados vivos, Melanchton e outras pessoas piedosas e esclarecidas, que se aplicam com zelo ao trabalho, estejam vivas; mas após a morte delas “será uma triste queda. Temos um exemplo diante de nós, em Juízes 2.10: "Todas as pessoas daquela geração também morreram e os seus filhos esqueceram o SENHOR e as coisas que ele havia feito pelo povo de Israel" [Jz 2.10]. Assim, após a morte dos apóstolos houve desistências temerosas; não, mesmo enquanto eles ainda viviam, como se queixa São Paulo” houve desistência entre os Gálatas, os Coríntios e na Ásia. Muito sofrimento e perdas nos serão infligidas pelos Sacramentais, pelos Anabatistas, pelos Antinomistas e por outros sectários.
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XX.

Oh! Que fato grande e maravilhoso é termos diante de nós a Palavra de Deus! Com ela podemos sempre nos sentir alegres e seguros, nunca teremos falta de consolação, pois vemos diante de nós, em todo o seu esplendor, o caminho puro e correto. Aquele que perde a Palavra de Deus de vista cai em desespero; a voz dos céus já não o sustenta; ele segue apenas a tendência desordenada de seu coração e da vaidade mundana que o leva para a destruição.
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XXI.

Cristo ensina esses pontos de forma breve em Mateus 5--7: primeiro, quanto às oito bem-aventuranças, como cada cristão deve particularmente viver no que a ele diz respeito; em segundo lugar, do ofício de ensinar, o quê e como um homem deve ensinar na igreja, como temperar com sal e esclarecer, reprovar, e confortar e exercer a fé; em terceiro, Ele rebate e se opõe à falsa exposição da lei; em quarto, Ele condena a forma de viver má e hipócrita; em quinto, Ele ensina o que é correto e boas obras; em sexto, Ele adverte os homens das falsas doutrinas; em sétimo, Ele esclarece e soluciona o que possa ser duvidoso e confuso; em oitavo, Ele condena os hipócritas e os falsos santos, que insultam a preciosa palavra da graça.
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XXII.

São Lucas descreve a paixão de Cristo melhor que os demais; João é mais completo com relação às obras de Cristo; ele descreve o público, e como a causa foi tratada e como eles procederam diante do trono do julgamento e como Cristo foi interrogado e por que causa foi ele açoitado. Quando Pilatos perguntou a Ele: “És tu o rei dos judeus?” Sim”, disse Jesus, “Eu sou, mas não um rei como o imperador o é, pois então os meus ministros se empenhariam por mim para que não fosse eu entregue aos judeus,mas eu sou um rei enviado para pregar o evangelho e dar testemunho da verdade que devo falar. “O quê!” disse Pilatos, “logo tu és rei e tens um reino que consiste da palavra e da verdade? Então certamente tu não podes causar-me nenhum mal”. Sem dúvida, Pilatos considerou nosso Salvador Jesus Cristo com sendo um homem simples, honesto, sem instrução, um homem por acaso saído do deserto, uma pessoa simples, honesta, um eremita que nada entendia do mundo ou do governo.
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XXIII.

Nos escritos de São Paulo e São João existe uma certeza, um conhecimento e plerophoria insuperáveis. Eles escrevem como se tudo o que narram tivesse acontecido diante de seus olhos.

Cristo diz com razão que São Paulo será um instrumento eleito para si; portanto, ele se tornou doutor e, portanto, falou da causa com toda a certeza. Quem lê Paulo pode, com uma consciência segura, confiar em suas palavras. De minha parte, nunca li escritos mais sérios.

São João, em seu evangelho, descreve Cristo que é um homem verdadeiro e natural, a priori, de tempos idos: "Antes de ser criado o mundo aquele que é a Palavra já existia" [Jo 1.1]; e "que todos respeitem o Filho, assim como respeitam o Pai" [Jo 5.23]. Mas Paulo descreve Cristo, a posteriori et effectu, do que se segue, e conforme as ações ou palavras, como, "Não devemos pôr à prova a paciência de Cristo...", "Examinem-se para descobrir se vocês estão firmes na fé", etc.
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XXIV.

O Livro dos Provérbios de Salomão é um ótimo livro que os dirigentes e governantes deveriam ler diligentemente, pois contém lições que tratam da ira de Deus, em que os governantes e os dirigentes deveriam se exercitar.

O autor do Livro de Eclesiastes prega bem a lei, mas ele não é profeta. Não é obra de Salomão, não mais que o livro de Provérbios de Salomão. São ambas coleções feitas por outras pessoas.

O terceiro livro de Esdras, eu lanço em Elbe; no quarto livro, já existem habilidades suficientes, como: “O vinho é forte, o rei é mais forte, a mulher é a mais forte de todos, mas a verdade é mais forte que tudo isso”.

O livro de Judite não é uma história. Ele não concorda com a geografia. Eu creio que seja um poema, como as legendas dos santos, composto por um determinado homem bom, com o propósito de ele poder demonstrar como Judite, uma personificação dos judeus, como povo temente a Deus, por quem Deus é conhecido e confessado, venceu e derrotou Holofernes, ou seja, todos os reinos do mundo. Esse é um trabalho figurativo, como aquele de Homero sobre Tróia e o de Virgílio sobre Enéas, onde se demonstra como um grande príncipe deve ser adornado com valor insuperável, como um bravo campeão, com sabedoria e entendimento, grande coragem e entusiasmo, sorte, honra e justiça. Estabelecer como será o fim dos tiranos é uma tragédia. Considero o livro de Tobite uma comédia a respeito das mulheres, um exemplo de gerenciamento da casa. Sou tão averso ao segundo livro de Macabeus e de Ester que gostaria que eles não tivessem chegado a nós, porque eles contêm muitas não-naturalidades idólatras. Os judeus apreciaram muito mais o livro de Ester que qualquer um dos profetas; embora eles fossem proibidos de lê-lo até que atingissem a idade de trinta anos, em face dos assuntos místicos que ele contém. Eles condenam Daniel e Isaías, aqueles dois profetas santos e gloriosos, dos quais o primeiro prega a Cristo da maneira mais clara, enquanto que o outro descreve e retrata o reino de Cristo, bem como as monarquias e os impérios do mundo que o precederam. Jeremias vem, porém após eles.

Os discursos dos profetas não foram nenhum deles à época anotados por escrito; seus discípulos e ouvintes os colecionaram e posteriormente, um, uma peça, uma outra e assim se formou a coleção completa.

Quando o doutor Justus Jonas havia traduzido o livro de Tobite, ele escutou Lutero nisso e disse: “Existem muitas coisas ridículas neste livro, especialmente sobre as três noites e o fígado grelhado do peixe, com o que o diabo ficou temeroso e foi afugentado”. Ao que Lutero disse: ”Isso é uma imaginação (pensamento) dos judeus; o diabo, um inimigo feroz e poderoso, não seria afugentado dessa maneira, pois ele tem a lança de Golias, mas Deus lhe deu essas armas para que elas, quando ele for vencido pelos devotos, serão o maior terror e vergonha para ele. Daniel e Isaías são excelentes profetas. Eu sou Isaías -- seja isso falado com humildade -- para propagação da honra de Deus, cujo trabalho é sozinho e para ofender o diabo. Filipe Melancthon é Jeremias; esse profeta sempre estava temeroso, mas mesmo assim Deus está com Melancthon”.
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XXV.

No livro de Juízes são descritos os destemidos campeões e libertadores que foram enviados por Deus. Acreditando e confiando totalmente nele, conforme o Primeiro Mandamento: eles se comprometeram em suas ações e empreendimentos a Deus e deram graças a ele; eles confiaram apenas no Deus dos céus e disseram: Senhor Deus, tu tens feito essas coisas e não nós; somente a ti seja a glória. O livro dos Reis é excelente -- cem vezes melhor que o de Crônicas, que constantemente omite os fatos mais importantes, sem quaisquer detalhes que sejam.

O livro de Jó é admirável; ele não é escrito apenas com relação a si próprio, mas também para o conforto e consolo de todos os corações entristecidos, atormentados e perplexos que resistem ao diabo. Quando ele percebeu que Deus começara a ficar zangado com ele, ele se tornou impaciente e ficou muito ofendido; fazia-lhe vergonha e trazia-lhe tristeza que os ímpios prosperassem tanto. Conseqüentemente, deve servir de consolo aos pobres cristãos que são perseguidos e que sofrem, que, na vida do porvir, Deus lhes concederá grandes e gloriosos benefícios e riqueza e honra que duram para sempre.
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XXVI.

Não precisamos nos admirar que Moisés descreveu, de forma tão sucinta, a história dos antigos patriarcas quando vemos que os Evangelistas, em modo mais sucinto, descrevem os sermões do Novo Testamento, discorrendo resumidamente sobre eles, dando senão um detalhe das pregações de João Batista que foram, sem dúvida, das mais belas.
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XXVII.

São João, o Evangelista, fala de forma majestosa, porém com palavras bem claras e simples, como onde diz: "Antes de ser criado o mundo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e era Deus. Desde o princípio, a Palavra estava com Deus. Por meio da Palavra, Deus fez todas as coisas, e nada do que existe foi feito sem ela. A Palavra era a fonte da vida, e essa vida trouxe a luz para todas as pessoas. A luz brilha na escuridão, e a escuridão não conseguiu apagá-la" [Jo 1.1-5]

Veja como ele descreve Deus, o Criador, e também suas criaturas, em linguagem simples e clara, como um raio de sol. Se um de nossos filósofos ou homens eruditos o tivessem escrito que palavras bombásticas e habilmente alegadas teriam eles ostentado, de ente et es senti , de modo que nenhum homem poderia entender o que queriam dizer. “Isso é uma grande lição, como a poderosa verdade divina é, que inculca, embora se encerre sempre tão próxima; quanto mais ela for lida, mais ela age e domina o coração”.
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XXVIII.

Os Salmos de Davi são de várias espécies -- didáticos, proféticos, eucarísticos, catequéticos. Dentre os proféticos, devemos ressaltar em especial o 110, Dixit Dominus; e dentre os didáticos o Miserere Mei, o De profundis e o Domine, exaudi orationem. O 110 é muito bom. Ele descreve o reino e o sacerdócio de Jesus Cristo e o declara Rei sobre todas as coisas e o intercessor para todos os homens, a quem todas as coisas foram entregues por seu Pai e que tem compaixão de todos nós. “Esse é um Salmo nobre; se eu estivesse bem, iria esforçar-me para tecer um comentário sobre ele”.
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XXIX.

O Dr. Lutero foi interrogado se a história do homem rico e de Lázaro era uma parábola ou um fato real. Ele respondeu: A parte inicial da é, evidentemente, histórica: as pessoas, as circunstâncias, a existência dos cinco irmãos, tudo isso é fornecido em detalhes. A referência à Abraão é alegórica e digna de grande observação. Aprendemos por ela que existem domicílios a nós desconhecidos, onde as almas dos homens se encontram, cujos segredos não devemos inquirir. Nenhuma referência é feita sobre a sepultura de Lázaro, daí podemos julgar que, aos olhos de Deus, a alma ocupa muito mais lugar que o corpo. O pensamento de Abraão é a promessa e a garantia da salvação e a esperança de Jesus Cristo, não os céus propriamente, mas a esperança dos céus.
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XXX.

Antes de o Evangelho chegar a nós, os homens costumavam se submeter a infindáveis trabalhos e custos e a fazer perigosas jornadas a São Tiago de Compostela para buscar o favor de Deus. Mas, agora que Deus, em sua Palavra, traz-nos seu favor gratuitamente, confirmando-os com seus sacramentos, dizendo, A não ser que tu creias, certamente perecerás, nada teremos de seu favor.
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XXXI.

Eu vivi para assistir à maior praga da terra: a condenação da Palavra de Deus, uma coisa temerosa, que suplanta todas as demais pragas do mundo; pois por isso, com toda a certeza, seguem todas as formas de punição, eterna e corporal. Se eu desejasse a um homem todas as pragas e maldições mais amargas, eu desejaria a ele a condenação da Palavra de Deus, pois então ele teria todas elas de imediato, vindas sobre ele, tanto infortúnios internos quanto externos. A condenação da Palavra de Deus é o presságio dos castigos de Deus, como os exemplos testemunhados nos tempos de Ló, de Noé e de nosso Salvador.
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XXXII.

Quem quer que reconheça que os escritos dos Evangelistas são a Palavra de Deus, com eles queremos discutir. Quem quer que negue isso; com eles não queremos trocar uma só palavra; nós não podemos conversar com aqueles que rejeitam os primeiros princípios.
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XXXIII.

Em todas as ciências, os mestres mais hábeis são aqueles que dominam completamente os textos. Um homem, para ser um bom advogado, deve conhecer todos os textos das leis nas pontas dos dedos, mas em nossa época, ao contrário, a atenção é dirigida a glossários e a comentários. Quando eu era jovem, eu li a Bíblia de novo, de novo e de novo e estava familiarizado com ela de forma tão perfeita que eu podia, em um instante, indicar qualquer versículo que pudesse ser mencionado. Depois, eu li os comentaristas, mas eu logo os descartei, pois encontrei aí muitas coisas que minha consciência não poderia aprovar, como ser contrário ao texto sagrado. É sempre preferível enxergar com os próprios olhos do que com os olhos dos outros.

As palavras do idioma Hebraico possuem uma energia peculiar. É impossível transmitir tanto, de forma tão sucinta, em qualquer outro idioma. Para torná-las compreensíveis, não devemos tentar confrontar palavra com palavra, mas ter por objetivo apenas o sentido e a idéia. Na tradução de Moisés, eu fiz um esforço para evitar o Hebraismo; esse é um trabalho árduo. Os intelectuais que aparentam maior conhecimento que eu sobre o assunto, levam-me a censurar uma palavra aqui e ali. Se eles tentassem fazer o trabalho que eu completei, eu encontraria mil erros graves deles contra um meu.
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XXXV.

Bullinger me disse que ele era contra os sectários como condenadores da Palavra de Deus e também contra aqueles que insistiam muito na Palavra literal que, dizia ele, pecavam contra Deus e contra seu poder, como os judeus o fizeram ao nomear o arco, Deus. Mas aquele que mantém uma média entre ambos, entende o uso correto dos sacramentos. Ao que eu respondi: Por esse erro, você separa a Palavra do espírito; aqueles que pregam e ensinam a Palavra, de Deus que comanda o batismo. Você assegura que o Espírito Santo é dado e opera sem a Palavra, cuja Palavra, você diz, é um sinal e uma marca eterna para encontrar o espírito que já possui o coração; segundo você, se a Palavra não encontrar o espírito, mas para uma pessoa ímpia, então ela não é a Palavra de Deus; definindo e fixando, dessa forma, a Palavra, não de acordo com Deus, que a fala, mas conforme as pessoas a cogitam e a recebem. Você aceita como verdadeiro que, para ser a Palavra de Deus, que purifica e traz paz e vida, mas quando ela não opera para os ímpios, ela não é a Palavra de Deus. Você ensina que a Palavra em seu exterior é um objeto ou pintura, significando e representando algo; você mensura seu uso apenas conforme o assunto, como uma criatura humana fala de si própria; você não aceita como verdadeiro que a Palavra de Deus é um instrumento pelo qual o Espírito Santo opera e realiza sua obra e prepara um início à retidão ou justificação.

Um cristão verdadeiro deve acreditar que a Palavra que é proferida e pregada aos iníquos, aos hipócritas e aos ímpios é a mesma Palavra de Deus, aquela que é pregada aos cristãos piedosos, corretos, e que a verdadeira igreja Cristã se encontra entre os pecadores, onde o bom e o mau se encontram misturados. E que a Palavra, quer ela produza frutos ou não, é, contudo, o poder de Deus que salva todo aquele crê. É certo que também julgará os ímpios, (São João, c.v.), de outra forma, esses poderiam dar uma boa desculpa para Deus, de que eles não deveriam ser condenados, visto que não tiveram a Palavra de Deus e, dessa forma, não a receberam. Eu, porém, ensino que as palavras dos pregadores, a absolvição e os sacramentos não são as suas palavras ou obras, mas a lavagem, a absolvição e a união, etc. de Deus; somos apenas instrumentos ou auxiliares por meio dos quais Deus opera. Vocês dizem que é o homem quem prega, reprova, absolve, conforta etc., no entanto é Deus que limpa os corações e perdoa; mas eu digo, que Deus mesmo prega, intimida, reprova, assusta, conforta, absolve, administra os sacramentos, etc. Como o Nosso Senhor Jesus Cristo diz “Qualquer que o ouvir a mim me ouve e o que você desligar na terra será desligado no céu” etc. E novamente: Não é você que fala, mas o Espírito de seu Pai que fala por ti”.

Tenho convicção e certeza que quando eu subo ao púlpito para pregar ou para ler, não é a minha Palavra que eu falo, mas que a minha língua é a pena de um escritor consumado, como o Salmista a tem. Deus fala pelos profetas e pelos homens de Deus, como diz São Pedro em sua epístola: “Os homens de Deus falavam como que se movidos pelo Espírito Santo”. Assim, não devemos separar ou apartar Deus e homem, conforme nossa razão e entendimento natural. De forma semelhante, cada ouvinte deve dizer: Eu não estou ouvindo São Paulo, São Pedro ou a um homem falando, mas sim a Deus mesmo. “Se eu fosse devotado à Palavra de Deus durante todo o tempo indiferentemente, e sempre tivesse esse amor e desejo por Ela, com às vezes tenho, então eu me consideraria o mais abençoado homem sobre a terra. Mas o querido apóstolo Paulo também falhou nesse aspecto, quando se queixa, entre suspiros, dizendo:“Eu vejo outra lei em meus membros contrária à lei em minha alma. “A Palavra deve ser falsa porque Ela nem sempre dá frutos? A busca pela Palavra tem sido, desde o começo do mundo, fonte de grande perigo; poucas pessoas podem compreendê-la, a menos que Deus, através de seu Santo Espírito, a ensine em seus corações”.

Bullinger, tendo ouvido atentamente a esse discurso, ajoelhou-se e expressou estas apalavras: “Oh! feliz hora que me permitiu ouvir a esse homem de Deus, o eleito escolhido do Senhor, declarando sua verdade! Eu repudio e de forma veemente renuncio a meus erros do passado, assim abatido pela Palavra infalível de Deus”. Ele então se levantou e colocou os braços em volta do pescoço de Lutero e ambos choraram lágrimas de alegria.
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XXXVI.

Frosheim disse que o primeiro dos cinco livros de Moisés não fora escrito pelo próprio Moisés. O Dr. Lutero respondeu: O que importa, mesmo que Moisés não o tenha escrito? De qualquer forma, é o livro de Moisés onde é relatada de forma exata a criação da Palavra. Não se deve dar atenção a objeções fúteis como essas.
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XXXVII.

Em casos de religião e que dizem respeito à Palavra de Deus, devemos estar certos e seguros, sem vacilar, para que em tempos de provação e tentação seu reconhecimento deve ser distinto e não possamos depois dizer, Non putarem; um caminho que em assuntos temporais sempre envolve bastante perigo, porém na divindade, é duplamente enganoso. Assim, os canônicos, os hipócritas do papado, e outros heréticos, são apenas quimeras; na face tendo a aparência de uma virgem justa, ma o corpo sendo como um leão, e a cauda como uma cobra. Mesmo assim, está com sua doutrina; ela brilha e tem um aspecto justo e o que ensina é agradável à inteligência e à apreciação mortal e ganha reputação. Depois, à maneira do leão, ela arrebenta pela força, pois todos os falsos ensinadores comumente usam o braço secular, mas ao final, ela se mostra uma doutrina escorregadia, tendo, como uma cobra, uma pele lisa, escorregando entre as mãos.

Uma vez certos de que a doutrina que pregamos é a Palavra de Deus, uma vez que temos certeza disso, podemos sobre isso construir, e saber que essa causa irá e deverá continuar; o maligno não será capaz de derrubá-la, muito menos o mundo será capaz de arrancá-la, por maior que seja sua fúria. Eu, graças a Deus, tenho certeza de que a doutrina que eu ensino é a Palavra de Deus e retirei de meu coração todas as doutrinas e crenças, ou qualquer que seja o nome, que não concordem com a Palavra de Deus. Eu assim venci as grandes tentações que às vezes me atormentam: É você, perguntou-me o pensamento interior diabólico, o único homem que possui a Palavra de Deus pura e clara, tendo todos os outros falhado nisso? Pois assim Satanás nos envergonha e investe contra nós, sob o nome e o título da igreja de Deus; porque, diz ele, aquela doutrina que a igreja Cristã manteve por tantos anos e estabeleceu como correta, você pretende rejeitar e derrubar como sua nova doutrina, como se aquela fosse falsa e errônea, e assim criar problemas, alteração e confusão, tanto no governo espiritual como temporal?

Eu encontro esse argumento do diabo em todos os profetas, a quem os governantes, tanto na igreja como no estado, sempre censuraram, dizendo: Somos o povo de Deus, colocados e ordenados por Deus em um governo estabelecido, o que fixamos e reconhecemos como correto, que precisa e deve ser observado. Que tolos são vocês que pretendem nos ensinar, da maior e melhor parte, tendo vocês senão uma mão cheia? Certamente, neste caso, não devemos estar apenas bem armados com a Palavra de Deus e versados Nela, mas devemos também ter certeza da doutrina, ou não resistiremos ao combate. Um homem deve estar apto a afirmar, eu tenho certeza de que o que ensino é apenas a Palavra da altíssima majestade de Deus nos céus, sua verdade de conclusão final, eterna, imutável e qualquer coisa que não corrobore ou não concorde com essa doutrina é totalmente falsa e engendrada pelo diabo. Eu tenho diante de mim a Palavra de Deus que não pode falhar e nem as portas do inferno prevalecem sobre Ela; e assim continuarei, a despeito de o mundo todo estar contra mim. E, além disso, tenho este conforto que Deus diz: Eu lhe darei pessoas e ouvintes que a receberão; lance suas preocupações sobre mim; eu te defenderei, apenas continues tu firme e constante na minha Palavra.

Não devemos considerar o que ou como o mundo nos estima, assim temos o mundo puro e estamos certos de nossa doutrina. Dessa forma, Cristo, em João 8. “Quem dentre vós me convence de pecado?” Todos os apóstolos estavam certos de sua doutrina e São Paulo, de forma especial, insiste na Plerophoria quando diz a Timóteo: “É uma querida e preciosa Palavra que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores”. A fé com relação a Deus em Cristo precisa ser certa e constante, de forma que possa consolar e alegrar a consciência e deixá-la descansar. Quando um homem possui essa certeza, ele venceu a serpente, porém se ele tiver dúvida sobre a doutrina, é-lhe muito perigoso disputar com o maligno.
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XXXVIII.

A apalavra de Deus é uma couraça de fogo; de mais substância e mais pura que o ouro, que testada no fogo, nada perde de sua substância, mas resiste e vence toda a fúria do calor ardente; de forma que aquele que acredita na Palavra de Deus sobrepuja tudo e permanece seguro para sempre, contra todos os infortúnios, pois sua couraça nada teme, nem o inferno nem o diabo.
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XXXIX.

Eu nunca pensei que o mundo houvera sido tão mau quando o Evangelho começou, como eu agora o vejo; pelo contrário, desejei que cada um pulasse de alegria por encontrar-se livre da poluição do papa, de seus lamentáveis incômodos das pobres consciências aflitas de que, por meio de Cristo, elas obteriam pela fé o tesouro celestial que procuravam anteriormente com tanto custo e trabalho, embora em vão. E pensei em especial que os bispos e as universidades iriam, com regozijo de coração receber as doutrinas puras, mas fiquei lamentavelmente decepcionado. Moisés e Jeremias também se queixaram que haviam ficado decepcionados.
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XL.

Os agradecimentos que o mundo agora oferece à doutrina do evangelho são os mesmos que deu a Cristo, ou seja, a cruz; isso é o que devemos esperar. Este ano é o ano da ingratidão do homem: o próximo será o ano do castigo de Deus; pois Deus precisa da punição, embora isso seja contra sua natureza, assim o teremos.
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XLI.

Ah! Quão ímpio e ingrato é o mundo, assim a condenar e a perseguir a graça inefável de Deus.! E nós – nós mesmos – que nos vangloriamos do evangelho e sabemos ser ele a Palavra de Deus e reconhecemo-la como tal, ainda não a matemos em maior estima e respeito que o fazemos com Virgílio ou Terêncio. Na verdade, estou menos temeroso do papa e de seus tiranos do que estou com nossa ingratidão com relação à Palavra de Deus: é isso que colocará o papa novamente no comando. Mas, primeiro, espero que o dia do julgamento venha.
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XLII.

Deus possui suas fitas de medição e seus cânones, chamados os Dez Mandamentos; eles estão escritos em nossa carne e sangue: a sua soma é esta: O mesmo que farias a ti, faça-o ao outro”. Deus insiste nesse ponto, dizendo: “Com a medida que medires, serás medido”. Com essa fita de medição, Deus marcou o mundo todo. Aqueles que viverem e agirem dessa forma, bem isso é com eles, pois Deus os recompensa ricamente nesta vida.
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Parte II: AS OBRAS DE DEUS

LXIII

Todas as obras de Deus são inescrutáveis e inexplicáveis. Nenhum sentido humano pode descobri-las. Somente a fé é que pode apreendê-las, sem o poder ou auxílio humanos. Nenhuma criatura mortal pode compreender Deus em sua majestade. Por isso, ele veio a nós de maneira mais simples, foi feito homem, não é mesmo? Pecado, morte e fraqueza.

Em todas as coisas, nas menores criaturas e nos seus membros, brilham claramente o poder supremo e as obras maravilhosas de Deus. Pois qual é o homem, por mais poderoso, sábio e santo, que pode fazer de um figo uma figueira ou um outro figo, ou de um grão de cereja uma cereja ou um pé de cerejas? Qual é o homem que sabe como Deus cria e preserva todas as coisas e faz com que se desenvolvam?

Nem mesmo podemos entender como o olho vê, ou como são simplesmente pronunciadas palavras inteligíveis quando a língua se move e se mexe na boca, tudo coisas naturais, diariamente vistas e praticadas. Como é que, então, seríamos capazes de compreender ou entender os secretos conselhos da majestade de Deus, perscrutá-los com nossos sentidos, razão e entendimento humanos? Deveríamos, então, admirar a nossa própria sabedoria? Eu, de minha parte, me considero um tolo e me mantenho cativo.
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LXIV

No princípio, Deus fez Adão com um pouco de argila, e Eva da costela de Adão. Ele os abençoou e disse: “Frutificai e multiplicai-vos” – palavras que ficarão e permanecerão sendo poderosas até o fim do mundo. Embora muitas pessoas morram diariamente, outras, porém, sempre são geradas, conforme diz Davi no Salmo: “Tu permites aos homens que morram e passem como uma sombra, dizes, tornai-vos novamente, vós filhos dos homens.” Essas e outras coisas que ele cria diariamente, o mundo pagão cego não vê nem reconhece como maravilhas de Deus, mas pensa que tudo é feito pela sorte ou o acaso. Os crentes, porém, sempre que erguem os seus olhos contemplando os céus e a terra, o ar e a água, vêem e reconhecem todas as maravilhas de Deus e, cheios de admiração e prazer, louvam ao Criador, sabendo que o Senhor se agrada disso.
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LXV

Para os filhos cegos do mundo, os artigos de fé são muito elevados. Que três Pessoas são um único Deus, que o verdadeiro Filho de Deus foi feito homem, que há duas naturezas em Cristo, divina e humana, etc, tudo isso os ofende como sendo ficção e fábula. Pois assim como é inverossímil dizer que um homem e uma pedra são uma só pessoa, assim também é inverossímil para o sentido e a razão humanos [dizer] que Deus foi feito homem, ou que as naturezas divina e humana unidas, em Cristo, são uma só pessoa. São Paulo demonstrou a sua compreensão desse assunto, mesmo não apreendendo tudo, em Colossenses: “Em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” [Cl 2.9]. Igualmente: “Nele estão ocultos todo o tesouro da sabedoria e do conhecimento” [Cl 2.3].
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LXVI

Se alguém perguntar por que Deus permite que as pessoas sejam endurecidas e caiam na perdição eterna, deixe-o perguntar ainda: Por que Deus não poupou o seu único Filho, mas o entregou por todos nós, para morrer a ignominiosa morte de cruz, o sinal mais certo do seu amor para conosco, pobre povo, do que da sua ira contra nós. Perguntas desse tipo não podem ser melhor solucionadas e respondidas do que por questões inversas. Realmente, o malicioso diabo enganou e seduziu Adão. Contudo, devemos considerar que, logo após a queda, Adão recebeu a promessa da semente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente e abençoaria a todas as pessoas sobre a terra. Portanto, precisamos reconhecer que a bondade e a misericórdia do Pai, que enviou o seu Filho para ser nosso Salvador, é imensurávelmente grande para o mundo mau e ingovernável. Deixa, por isso, ó homem, que a sua boa vontade te seja aceitável, e não especula com tuas dúvidas diabólicas, teus por quês e para quês tocando as palavras e obras de Deus. Pois Deus, Criador de todas as criaturas, e que ordena todas as coisas segundo a sua inescrutável vontade e sabedoria, não se agrada desses questionamentos.

Por que Deus, por vezes, segundo os seus divinos conselhos, maravilhosamente sábios, inalcançáveis para a razão e entendimento humanos, tem misericórdia desse homem e endurece aquele, isso não nos convém inquirir. Deveríamos saber, indubitavelmente, que ele não faz nada sem uma certa causa e conselho. Realmente, se Deus tivesse que prestar contas de cada uma de suas obras e ações, ele seria apenas um Deus pobre e simples.

Nosso Salvador disse a Pedro: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois.” [Jo 13.7]. Depois, então, saberemos quão graciosamente nos atingiu o nosso Deus e Pai. Entrementes, embora venham sobre nós desgraça, miséria e sofrimento, devemos ter essa confiança segura nele, que ele não nos afligirá para serem destruídos nem o nosso corpo, nem a nossa alma, mas lidará conosco de forma tal que todas as coisas, sejam boas ou más, resultarão em nosso benefício.
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LXVII

Se alguém perguntar onde estava Deus antes da criação dos céus, temos a resposta de S. Agostinho. Segundo ele, Deus estava nele mesmo. Quando mais alguém me pergunta a mesma coisa, eu digo-lhe o seguinte: Deus estava preparando o inferno para tais espíritos tolos, presunçosos, alvoroçados e inquisidores como você. Após haver criado todas as coisas, ele estava em todo lugar e, ao mesmo tempo, em nenhum lugar, pois não posso apreendê-lo sem a Palavra. Não obstante, ele será encontrado ali aonde ele se comprometeu estar. Os judeus o encontravam em Jerusalém mediante o trono da graça (Êxodo 25). Nós o encontramos na Palavra e na fé, no batismo e nos sacramentos. Em sua majestade, porém, Deus não pode ser achado em lugar algum.

Consistia-se numa graça especial quando Deus se prendia a si mesmo num certo lugar onde seria encontrado, notadamente, naquele lugar onde estava o tabernáculo, para o qual eles se voltavam e oravam, primeiro em Silo e Siquém, depois em Gibeon e, finalmente, no templo de Jerusalém.

Os gregos e pagãos imitavam essa prática em todas as épocas, e edificavam templos aos seus ídolos em certos locais. Em Éfeso, para Diana, em Delfos, para Apolo, e assim por diante. Pois, ali onde Deus edifica uma igreja, lá o diabo também edificaria uma capela. Eles imitavam os judeus também nisso, a saber, assim como o Santo Lugar era escuro, assim também da mesma maneira eles deixavam escuros os seus santuários onde o diabo respondia. Logo, o diabo é sempre um imitador de Deus.
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LXVIII

Deus é justo, fiel e verdadeiro. Ele revelou isso em suas promessas de perdão dos pecados e resgate da morte eterna por intermédio de Cristo. Mas, também, pelo fato dele nos haver deixado nas Escrituras muitos exemplos graciosos e confortadores de santos importantes e consagrados, imensamente iluminados e favorecidos por Deus que, apesar disso tudo, caíram em grandes e tristes pecados.

Adão, por sua desobediência, trouxe hereditariamente o pecado e a morte sobre toda a sua posteridade. Arão trouxe um grande pecado sobre Israel, a tal ponto que Deus teria destruído o povo. Davi também caiu de uma forma muito triste. Jó e Jeremias amaldiçoaram o dia em que nasceram. Jonas ficou dolorosamente contrariado porque Nínive não foi destruída. Pedro negou, Paulo perseguiu a Cristo.

As Sagradas Escrituras nos relatam esses e inúmeros outros exemplos semelhantes não a fim de que vivamos seguros e pequemos, descansando sob a graça de Deus. Esses exemplos são para que ao sentirmos a sua ira, “que certamente vem após os pecados”, não caiamos em desespero. Antes, ao nos lembrarmos desses exemplos confortadores cheguemos à conclusão que se Deus foi misericordioso para com eles, também será, do mesmo modo, gracioso para conosco por causa da sua bondade e misericórdia reveladas em Cristo e não nos imputará os nossos pecados.

Podemos observar também por meio desses exemplos de grandes homens caindo tão gravemente, quão mau, astuto e invejoso espírito é o diabo. Ele é um verdadeiro príncipe e bem mundano.

Essas pessoas elevadas, divinas, que cometeram pecados tão pesados caíram segundo o conselho e permissão de Deus, a fim de que não se orgulhassem ou gabassem de seus dons e qualidades, porém, temessem. Pois, quando Davi assassinou Urias, tomou para si a mulher dele e, com isso, deu motivo para que os inimigos blasfemassem a Deus, ele não poderia se gabar de haver governado bem, ou demonstrado bondade. Antes, ele disse: “Pequei contra o Senhor” [2 Samuel 12.13], e com lágrimas clamou por misericórdia. Jó, da mesma forma, reconhecidamente diz: “Eu falei como um tolo, e por isso me culpo e me arrependo” [cf.: Jó 42.3-6].
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LXIX

Quando Deus contempla alguma grande obra, ele a começa pela mão de alguma criatura humana pobre e fraca, a quem ele depois auxilia, para que os inimigos que a pretendem obstruir sejam vencidos. Exemplo disso foi quando Deus libertou os filhos de Israel do longo, fatigante e pesado cativeiro no Egito, conduzindo-os à terra prometida. Para isso, chamou Moisés e lhe deu o seu irmão Arão como seu assistente. Embora Faraó primeiro se endureceu contra eles, e oprimiu o povo muito mais do que antes disso, no fim ele se viu obrigado a liberar Israel. Quando, a seguir, ele os caçou com todo o seu exército, o Senhor afogou Faraó com todo o seu poderio no Mar Vermelho libertando, desse modo, o seu povo.

Da mesma forma, na época do sacerdote Eli, os negócios estavam muito maus em Israel. Os filisteus os pressionavam, roubando de sua terra a arca de Deus. Eli, em profunda tristeza no coração, caiu para trás da sua cadeira quebrando o pescoço. Parecia que Israel fora totalmente vencido. No entanto, Deus fez surgir o profeta Samuel e, por meio dele, restaurou Israel, e os filisteus foram derrotados.

Mais tarde, quando Saul foi dolorosamente oprimido pelos Filisteus, de modo que para angústia do coração desesperou-se e se suicidou, morrendo com ele três dos seus filhos e muitas outras pessoas, todos pensavam que seria o fim de Israel. Contudo, logo depois, quando Davi foi escolhido para ser o rei de todo o Israel, então chegou a idade áurea [para o povo]. Pois Davi, o escolhido de Deus, não apenas salvou Israel das mãos dos inimigos. Ele também subjugou todos os reis e povos que se lançaram contra ele, e soergueu novamente o reino de tal maneira que na sua época e na de Salomão estava em pleno desenvolvimento, poder e glória.

Quando Judá foi levado cativo para Babilônia, então Deus escolheu os profetas Ezequiel, Ageu e Zacarias que confortaram as pessoas em seus sofrimentos e cativeiro. Eles não apenas apregoaram a promessa do seu retorno para a terra de Judá, mas também que Cristo viria no tempo certo.

Portanto, podemos notar que Deus nunca esquece do seu povo, nem mesmo o fraco, ainda que, por causa dos seus pecados, ele o suporte por um longo tempo a fim de ser severamente punido e flagelado. Assim como, também em nossa época, ele nos libertou graciosamente do longo, incômodo, pesado e horrível cativeiro do malvado papa. Deus, por sua misericórdia, conceda que possamos reconhecer isto com gratidão.
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LXX.

Deus poderia ser muito mais "rico", se ele fosse mais cauteloso e nos tivesse proibido o uso da sua criação. Se ele sempre retesse um pouquinho o sol, de modo que não brilhe, ou prendesse o ar, a água, o fogo! Ah! Quão voluntariamente daríamos toda a nossa riqueza para termos novamente o direito ao uso dessas criaturas.

Todavia, observando que Deus tão generosamente acumula os seus dons sobre nós, acabamos reivindicando-os como direito. Que ele os impeça se assim o desejar. A indescritível multidão de seus benefícios obscurece a fé nos cristãos, e muito mais ainda nos pagãos.
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LXXI.

Quando Deus quer punir um povo ou um reino, ele lhes tira os bons e piedosos professores e pregadores, e os priva de administradores e conselheiros sábios, piedosos e honestos, bem como de soldados bravos, íntegros e experientes, além de outros bons homens. Então, as pessoas simples ficam seguras e felizes. Elas continuam na obstinação, não sentindo mais carência da verdade e da doutrina divina. Pelo contrário, elas as desprezam e se tornam cegas, sem temor nem honestidade. Acabam cedendo a todos os tipos de pecados vergonhosos, de modo que surge um tipo de vida selvagem, dissoluta e maligna, assim como essa que vemos agora e conhecemos muito bem, e que não podemos suportar por muito tempo. Eu sinto que o machado está posto à raiz da árvore para que a corte logo [Mt 3.10; 7.18-19]. Que Deus, por sua infinita misericórdia nos leve graciosamente, para que não estejamos presente diante de tais calamidades.
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LXXII.

Deus nos dá o sol, a lua e as estrelas, fogo e água, ar e terra, todas as criaturas. Também nos dá o corpo e a mente, todos os tipos de sustento: frutas, sementes, trigo, vinho, tudo o que é bom para a preservação e o conforto da vida terrena. Além disso, ele nos dá a sua Palavra salvadora. Ele se dá a si mesmo.

Agora, o que é que ele ganha por tudo isso? Na verdade, nada; antes, porém, é maldosamente blasfemado e seu Filho unigênito é condenado e crucificado, seus servos afligidos, perseguidos e mortos. O mundo é um filho pagão; ai dele!
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LXXIII.

Deus confia mui maravilhosamente o seu ofício mais sublime a pregadores que são, em si mesmos, pobres pecadores que, enquanto o pregam, mui fragilmente o praticam. Assim acontece sempre com o poder de Deus em nossa fraqueza; pois quando ele é enfraquecido em nós, então ele é mais forte.
TOPO

LXXIV.

Como Deus deveria tratar conosco? Bons dias, não conseguimos tolerar; os maus, não podemos suportar. Se Ele nos dá riquezas, nos tornamos arrogantes, de modo que, por nós, ninguém pode viver em paz. Não, nós queremos ser levados sobre cabeças e ombros e ser adorados como deuses. Se Ele nos dá pobreza, então ficamos desanimados, impacientes e murmuramos contra ele. Por isso, nada melhor para nós do que sermos imediatamente cobertos com a pá [i.e., enterrados].
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LXXV.

Alguém disse o seguinte: “Visto Deus saber que o homem não permaneceria em seu estado de inocência, por que, afinal, o criou?” O Dr. Lutero respondeu rindo: O Senhor, todo-poderoso e magnificente, viu que ele poderia precisar ter em sua casa costureiros e fossas. Estejas certo de que ele sabe muito bem do que é capaz. Tenhamos cuidado com essas questões abstratas e consideremos a vontade de Deus assim como ela nos foi revelada.
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LXXVI.

O Dr. Henning perguntou: “Será que a razão não exerce nenhuma autoridade junto aos cristãos, posto que ela deve ser desconsiderada em assuntos de fé?” O Dr. [Lutero] respondeu: Sem a fé e o conhecimento de Deus, a razão é obscura. Contudo, nas mãos dos que crêem, é um instrumento excelente. Todas as facilidades e dons são perniciosos quando exercidos pelos ímpios, mas muito salutares quando possuídos por pessoas piedosas.
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LXXVII.

Deus lida de modo estranho com os seus santos, contrário a toda a sabedoria e entendimento humanos, a fim de que os que temem a Deus e são cristãos, aprendam a depender de coisas invisíveis, e pela mortificação possam ser novamente vivificados; pois a Palavra de Deus é a luz que brilha num lugar escuro [2Pe 1.19], conforme o revelam todos os exemplos de fé. Esaú foi amaldiçoado, no entanto, foi tudo bem com ele; ele foi senhor no país e sacerdote na igreja; no entanto, Jacó teve de fugir, e viveu na pobreza, noutro país.

Deus age muito mais com os cristãos piedosos do que com os ímpios e, por vezes, de forma muito pior. Ele lida com eles até mesmo como um pai doméstico faz com um filho e um empregado. Ele açoita e bate com muito mais intensidade e freqüência no filho do que no doméstico. Contudo, ele ajunta um tesouro para o filho herdar, enquanto num doméstico obstinado e desobediente ele não bate com a vara, mas empurra portas afora e não lhe dá nada da herança.
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LXXVIII.

Deus é um Senhor bom e gracioso. Ele quer ser considerado o único Deus, conforme o primeiro mandamento: “não terás outros deuses diante de mim.” Ele não quer nada de nós, quaisquer taxas, subsídios, dinheiro ou bens. Ele quer apenas ser nosso Deus e Pai, então ele nos concede ricamente, com uma taça transbordante, todos os tipos de dons espirituais e temporais. Contudo, nós não o levamos tanto em consideração, nem queremos tê-lo como nosso Deus.
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LXXIX.

Deus não é um Deus irado. Se ele o fosse, estaríamos todos completamente perdidos e destruídos. Ele não fere a humanidade voluntariamente, exceto, enquanto Deus justo, ele se veja obrigado a fazê-lo. Todavia, não tendo nenhum prazer na injustiça e na incredulidade, ele precisa, por isso, permitir que a punição tenha livre curso. Assim como, por vezes, olho através dos dedos, quando o tutor açoita o meu filho João, assim ocorre com Deus. Quando somos ingratos e desobedientes à sua Palavra e mandamentos, ele nos faz sofrer pelo diabo para sermos ruidosamente chicoteados com pestilência, fome e açoites semelhantes a esses. Isso não significa que Deus queira ser nosso inimigo e nos destruir. Antes, por meio de tais flagelos ele quer nos chamar ao arrependimento e mudança, e com isso nos impelir a buscá-lo, a correr para ele e clamar por seu auxílio. Temos um belo exemplo disso no livro dos Juízes onde o anjo, na pessoa de Deus, nos diz: “Eu vos golpeei seguidamente e vós não melhorastes”, e o povo de Israel disse: “Salva-nos agora; pecamos e fizemos o que é mau: castiga-nos, ó Senhor, e faze conosco o que quiseres, tão somente, salva-nos,” etc. Nisso ele não afligiu o povo todo para a morte. De maneira semelhante fez Davi, quando pecou (ao levantar o censo, pelo que Deus puniu o povo com pestilência, de modo que morreram 70.000 pessoas), então humilhou-se e disse: “Eu é que pequei, eu é que procedi perversamente; porém estas ovelhas que fizeram? Seja, pois, a tua mão contra mim e contra a casa de meu pai.” [2Sm 24.17]. Então “arrependeu-se o SENHOR do mal e disse ao Anjo que fazia a destruição entre o povo: Basta, retira a mão.” [2Sm 24.16].

Aquele que consegue se humilhar sinceramente diante de Deus em Cristo, esse já venceu. De outro modo, o Senhor Deus perderia a sua divindade, cuja obra própria consiste em ter misericórdia do pobre e aflito, e poupá-los para que se humilhem diante dele. Se não fosse assim, nenhuma criatura humana se aproximaria dele ou o invocaria; nenhum homem seria ouvido ou salvo, nem lhe daria graças: “pois no inferno ninguém te louvará”, diz o Salmo. O diabo pode assustar, matar e roubar; Deus, porém, reaviva e conforta.

Essa pequena palavra: "Deus", é, na Escritura, uma palavra com vários significados, e seguidamente é entendida como algo a partir da natureza da sua ação e essência: como o diabo sendo chamado deus; a saber, um deus do pecado, da morte, do desespero e da maldição.

Devemos fazer diferenciação correta entre esse deus e o justo e verdadeiro Deus, que é Deus da vida, conforto, salvação, justificação e de toda a bondade; pois há muitas palavras que não levam quaisquer significados exatos, e o equivoco é sempre a mãe do erro.
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LXXX

Os pagãos e perversos usufruem a maior parte das criaturas de Deus: os tiranos têm o maior poder, terras e povo; os agiotas, o dinheiro; os agricultores, ovos, manteiga, trigo, cevada, aveia, maçãs, pêras, etc. Enquanto isso, os cristãos precisam sofrer, serem perseguidos, sentar no calabouço, onde não podem ver o sol ou a lua, serem lançados na miséria, banidos, afligidos, etc. No entanto, um dia desses as coisas vão melhorar. Elas não podem continuar assim para sempre. Tenhamos paciência, e permaneçamos firmes por meio da doutrina pura, não nos afastando dela, apesar de toda essa miséria.
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LXXXI

Nosso Senhor Deus e o diabo têm duas formas de política que não concordam entre si, sendo completamente opostas uma à outra. Primeiro Deus nos aflige, depois nos levanta e conforta a fim de que a carne e o velho homem sejam mortos e vivam o espírito e o novo homem. Enquanto isso, o diabo, primeiro torna as pessoas seguras e ousadas para que, sem nenhum temor, cometam pecados e maldades e não apenas permaneçam no pecado, mas encontrem gozo e prazer nele, pensando que fizeram tudo certo. No final, porém, quando vem o sr. Estica-pernas, então ele os assusta e apavora sem medida para que morram de desgosto imenso ou, finalmente, são abandonados sem nenhum consolo e desesperam da graça e misericórdia de Deus.
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LXXXII

Somente Deus, e não o dinheiro, mantém o mundo. As riquezas apenas tornam as pessoas arrogantes e preguiçosas. Em Venice, onde se encontram os ricos, sobreveio-lhes uma horrível mortandade, em nossos dias [i.e., de Lutero], de modo que se viram impelidos a apelar por ajuda junto aos turcos, que enviaram vinte e quatro galés carregadas de trigo – todas elas afundadas bem próximas ao porto, diante de seus olhos. Grande riqueza e dinheiro não conseguem parar a fome, antes, causam mortandade ainda maior. Pois, onde estão os ricos, ali as coisas sempre são valiosas. Além disso, o dinheiro não deixa ninguém satisfeito, muito ao contrário, deixa a pessoa melancólica e cheia de desgosto. Pois, as riquezas, diz Cristo, são espinhos que picam as pessoas. Contudo, o mundo é tão louco a ponto de pôr nisso toda a sua alegria e felicidade.
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LXXXIII

Não há aborrecimento maior do que quando Deus silencia e não fala conosco, antes, nos permite prosseguirmos em nossas obras pecaminosas fazendo todas as coisas segundo as nossas paixões e prazeres, conforme tem sido com os judeus pelos últimos mil e quinhentos anos.
Oh! Deus, pune, te pedimos, com pestilência e fome, e com o mal e a doença que ainda possam existir sobre a terra; porém, não fiques em silêncio em relação a nós, Senhor. Deus disse aos judeus: “Eu estendi a minha mão, e clamei, vinde para cá e ouvi”, etc. “Mas vós dissestes: não queremos ouvir”. [N. do T.: veja Pv 1.24: “Mas, porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a mão, e não houve quem atendesse”].
De maneira semelhante nós agimos agora. Estamos enfadados da Palavra de Deus. Não queremos pregadores e mestres justos, bons e piedosos que nos ameaçam, nos trazem a Palavra de Deus pura e sem falsificação, condenam a doutrina falsa e verdadeiramente nos advertem. Não, esses nós não podemos suportar. Não queremos ouvi-los, não, antes os perseguimos e os banimos. Por isso, Deus também nos punirá. Assim acontece com filhos perdidos e maus que não querem ouvir seus pais nem ser-lhes obedientes. Depois, eles também serão rejeitados por eles.
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LXXXIV

Nada desagrada mais ao Onipotente Deus, do que quando defendemos e cronometramos os nossos pecados, não querendo reconhecer que fizemos o mal assim como o fez Saul. Pois, os pecados não reconhecidos são contra a primeira tábua dos Dez Mandamentos. Saul pecou contra a primeira tábua; Davi, contra a segunda. Os são pecadores contra a segunda tábua aqueles que observam o sermão sobre o arrependimento, sentem-se ameaçados e reprovados, reconhecem os seus pecados e melhoram a si mesmos. Aqueles que pecam contra a primeira tábua, como os idólatras, incrédulos, acusadores e blasfemadores de Deus, falsificadores da Palavra de Deus, etc., atribuem-se sabedoria e poder. Eles serão sábios e poderosos, duas qualidades que Deus reserva para si mesmo como peculiarmente suas.
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LXXXV

É indescritível quão incrédulo e mau é o mundo. Facilmente podemos percebê-lo a partir do fato que Deus não apenas impôs punições para desenvolver os seus súditos, mas também nomeou muitos executores e carrascos para puni-los, como espíritos maus, tiranos, filhos desobedientes, patifes, mulheres pervertidas, bestas selvagens, vermes, doenças, etc. Agora, tudo isso não consegue fazer com que nos dobremos ou encurvemos.

Seria melhor se Deus ficasse irado conosco, do que nós com ele, pois ele pode logo estar novamente em união conosco, visto que ele é misericordioso. Todavia, se nós ficamos irados com ele, então o caso não tem solução.
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LXXXVI

Deus poderia ser sumamente rico em fortuna temporal, se assim o desejasse, mas ele não o quer. Se apenas ele viesse ao papa, ao imperador, a um rei, um príncipe, um rico mercador, um cidadão, um fazendeiro, e dissesse: “a menos que me dês cem mil coroas, morrerás imediatamente”, cada um diria: “eu o darei de todo o meu coração, desde que eu possa viver.” Contudo, somos tão ingratos e desleixados ao ponto de não lhe darmos ao menos um Deo gratias, embora recebamos dele, em rica medida, tão grandes benefícios, unicamente por sua bondade e misericórdia. Isso não é uma vergonha? No entanto, apesar de tanta ingratidão, o nosso Senhor Deus e misericordioso Pai não se importa de ser espantado, mas continuamente nos mostra toda sorte de benevolência. Se em seus dons e benefícios ele fosse mais econômico e mão fechada, aprenderíamos a ser agradecidos. Se ele fizesse cada criatura humana nascer com apenas uma perna ou pé, e sete anos após lhe desse outros, ou no décimo quarto ano lhe desse uma mão e, posteriormente, no trigésimo ano a outra, então reconheceríamos melhor os dons e benefícios de Deus e os valorizaríamos muito mais e lhe seríamos gratos. Ele nos deu todo um oceano cheio da sua Palavra, todos os tipos de línguas e artes liberais. Compramos, atualmente, a baixo custo, todo tipo de bons livros. Ele nos dá pessoas instruídas, que ensinam bem e com regularidade. De modo que um jovem, se não for completamente ignorante, pode, agora, aprender mais num ano, do que antes acontecia durante vários anos. As artes são, agora, tão baratas, que eles quase saem a pedir pão. Malditos sejamos por sermos tão preguiçosos, desleixados e ingratos.
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LXXXVII

Não somos dignos de nada com nossos dons e qualidades, por maiores que sejam, a menos que Deus ponha sua mão continuamente sobre nós. Se ele nos esquecer, então nossa sabedoria, arte, sentido e compreensão são fiteis. Se ele não os ajudar seguidamente, então nosso maior conhecimento e experiência sobre a divindade, ou seja o que for que obtenhamos, de nada servirão. Pois, quando chegam a hora da tentação e prova, seremos despachado num instante. Então, o diabo, sabedor de sua força e sutileza, [agirá] roubando-nos até mesmo aqueles textos da Escritura Sagrada pelos quais poderíamos nos confortar, e pondo diante de nossos olhos, em lugar deles, somente sentenças de ameaças terríveis.
Por conseguinte, que ninguém se gabe e se jacte de forma arrogante por sua própria justiça, sabedoria ou outros dons e qualidades, mas se humilhe e ore com os santos apóstolos e diga: “Oh! Senhor! Fortalece aumenta-nos a fé” [veja Lc 17.5].
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LXXXVIII

Quanto maiores os dons e obras de Deus, tanto menos são considerados. O maior e mais precioso tesouro que recebemos de Deus é podermos falar, ouvir, ver, etc. No entanto, quão poucos reconhecem isso como dons especiais de Deus, e ainda menos pessoas dão graças a Deus por eles. O mundo valoriza muito as riquezas, honra, poder e outras coisas de menor valor, que cedo passam. Um cego, porém, em seu reto juízo, prontamente os trocaria pela visão. A razão porque os dons corporais de Deus são tão desvalorizados é que eles são tão comuns que Deus os concede também às brutas bestas, que assim como nós, e melhor ainda, ouvem e vêem. Quando Cristo fez os cegos verem, expeliu demônios, ressuscitou mortos, etc., ele foi censurado pelos incrédulos hipócritas, que se entregavam a si mesmos pelo povo de Deus, e foi-lhe dito que ele era um samaritano endemoninhado. Ah! O mundo é do diabo, quer ele siga em frente ou pare. Como, então, as pessoas podem reconhecer os dons e os benefícios de Deus? Isso diz respeito a nós e a nossos filhos, que não valorizam tanto o seu pão diário, como uma maçã, uma pêra e outras bagatelas. Olhe para o gado indo aos pastos no campo, e veja nele nossos pregadores, nossos transportadores de leite, manteiga, queijo e lã que diariamente nos proclamam a fé em Deus, e que devemos confiar nele como nosso Pai amoroso que cuida de nós e nos manterá nutridos.
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LXXXIX

Ninguém consegue imaginar que grande fardo é [para] Deus apenas manter pássaros e tais criaturas, comparativamente sem valor. Estou convencido que lhe custa, anualmente, muito mais manter apenas os pardais, do que a soma dos rendimentos do rei da França. Que diremos, então, de todas as suas demais criaturas?
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XC

Deus se compraz em nossas tentações, mas também as odeia. Ele se compraz nelas quando essas nos levam a orar. Ele as odeia, quando elas nos levam ao desespero. O Salmo diz: “Um coração humilde e contrito é um sacrifício agradável a Deus”, etc. [veja Sl 51.17]. Portanto, quando a coisa vai bem com você, cante e louve a Deus com um hino. Se a coisa vai mal, isto é, veio a tentação, então ore: “Pois o Senhor se agrada daqueles que o temem”, e o que segue é ainda melhor: “e naqueles que esperam na sua bondade”,[veja Sl 33.18; 147.11] pois o Senhor ajuda o submisso e humilde, visto que ele diz: “Pensas que a minha mão está encolhida para que eu não possa auxiliar?”.[veja Is 59.1] Aquele que se julga fraco na fé, que tenha sempre o desejo de ser forte nela, porque isso é um alimento que Deus gosta em nós.
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XCI

Neste mundo, Deus tem apenas a décima parte das pessoas. Somente o menor número será salvo. O mundo é excessivamente incrédulo e mau. Quem acreditaria que o nosso povo seria tão ingrato contra o evangelho?
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XCII

É admirável como Deus colocou tão excelente medicamento em mero estrume. Sabemos por experiência que o esterco de porco estanca o sangue. O de cavalo serve para a pleurisia, o humano para úlceras e manchas escuras; o de burro é utilizado para o fluxo de sangue, o de vaca com rosas em conserva é usado para epilepsia ou para convulsões infantis.
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XCIII

Deus é visto como se ele tivesse agido imprudentemente ao ordenar que o mundo seja governado pela Palavra da Verdade, especialmente por ele a ter vestido e coberto com uma pobre, fraca e condenada Palavra da cruz. Pois o mundo não quer ter a verdade, mas mentiras: nem fazem eles voluntariamente algo que é correto e bom, a menos que sejam compelidos por grande força. O mundo tem aversão à cruz, e seguirá antes os prazeres do diabo, e ter dias agradáveis, do que tomar a cruz de nosso louvado Salvador Cristo Jesus. Aquele que melhor governa o mundo, como o mais digno dele, é Satanás, por meio de seu lugar-tenente, o papa. Ele pode agradar bem ao mundo, e sabe como fazê-lo dar-lhe ouvidos, pois o seu reino tem uma enorme exposição e reputação que é aceitável ao mundo e o beneficia. Tal e qual.
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XCIV

Pitágoras, o filósofo pagão, disse que o movimento das estrelas cria uma harmonia muito suave e concórdia celestial; mas que as pessoas, por meio de hábitos contínuos, tornaram-se fartas disso. Assim também ocorre conosco: nós temos excelentes belas criaturas para nosso uso, contudo, pelo fato de serem tão comuns, não as consideramos.
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XCV

Uma proporção bem pequena da terra produz trigo, e no entanto, somos todos mantidos e alimentados. Eu realmente acredito que não crescem tantos feixes de trigo como aumentam as pessoas no mundo, no entanto, estamos todos nutridos. E ainda fica uma boa sobra de trigo ao findar o ano. Isso é algo maravilhoso que nos deveria fazer ver e perceber a bênção de Deus.
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XCVI

A causa aparente porquê Deus lançou uma sentença tão aguda sobre Adão era que ele comeu da árvore proibida e foi desobediente a Deus. Por conseguinte, por sua culpa, a terra foi amaldiçoada e a humanidade foi sujeita a todo tipo de misérias, temores, privações, enfermidade, pragas e morte. A razão do sábio mundano, considerando apenas o comer da maçã, considera que por uma coisa tão fútil e trivial o procedimento sobre Adão foi muito cruel e duro, e toma rapé no nariz, e diz, ou pelo menos pensa: "Oh, será que é um assunto tão atroz e pecado alguém comer uma maçã?" As pessoas dizem a respeito de vários pecados que Deus expressamente proibiu em sua Palavra, tal como a embriaguez, etc.: “Que mal existe no fato de alguém estar feliz e tomar um copo com bons companheiros?” – concluindo segundo a sua cegueira, que Deus é muito duro e punitivo.
Ainda, esses mundanos estão ofendidos porque Cristo, conforme imaginam, rejeita pessoas boas, honestas e santas. Se ofendem porque ele não as conhecerá, é áspero com elas, as afasta de si e as chama de malfeitores; mesmo que alguns, em seu nome, tenham profetizado, expelido demônios, feito milagres, etc. Enquanto isso, por outro lado, ele recebe pecadores notórios, como prostitutas, ladrões, publicanos, assassinos. Esses, se ouvirem a sua Palavra e crerem em Cristo, ele os perdoa, mesmo que os seus pecados sejam tão grandes e numerosos. Ele os torna justos e santos, filhos de Deus e herdeiros da vida e salvação eterna, por pura graça e misericórdia, sem quaisquer de seus méritos, boas obras e virtudes. Isso, eles consideram totalmente injusto.
Quem pode, aqui, ser um árbitro, sendo as duas coisas tão contrárias uma à outra como fogo e água? Nisto a sabedoria humana, seu sentido, razão, entendimento é tornada louca. A Escritura diz: “se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus.” [Mt 18.3] Aqueles que investigarem essas coisas com inteligência e sabedoria humanas, entregam-se a uma tarefa bem fútil e à inquietação. Esses nunca aprenderão como Deus lhes é favorável. Também nesses que tão futilmente se angustiam se são predestinados ou eleitos, surge um fogo no coração, o qual não conseguem apagar. De modo que as suas consciências nunca estão em paz, mas no fim acabam em desespero. Portanto, aquele que quiser evitar esse mal permanente deve apegar-se à Palavra, onde descobrirá que nosso Deus gracioso lançou um fundamento seguro e firme, no qual podemos pisar com certeza – notadamente, Jesus Cristo, nosso Senhor por meio de quem, unicamente, podemos entrar no reino dos céus. Pois ele, e nenhum outro, é “o caminho, a verdade e a vida” [Jo 14.6].
Não podemos compreender melhor as pesadas tentações dessa predestinação eterna, que aterroriza muitas pessoas, do que pelas chagas do nosso Salvador, Cristo Jesus. A respeito dele, o Pai nos ordenou dizendo: “A ele ouvi” [Mt 17.5]. Mas os sábios do mundo, os poderosos, os instruídos, os grandes de maneira alguma prestam atenção a essas coisas, de modo que Deus permanece-lhes desconhecido, apesar de terem muito estudo e discutirem e falarem muito sobre Deus; pois a conclusão é pequena. Sem Cristo, Deus não será achado, conhecido ou compreendido.
Se agora você quiser saber porque tão poucos são salvos, e um número infinitamente maior é condenado, a causa é essa: o mundo não quer ouvir Cristo. Não se preocupam em nada por ele. Condenam aquilo que o Pai testifica a seu respeito: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.”
Enquanto isso, todas as pessoas que buscam e laboram para chegar a Deus, por meio de quaisquer outros meios que não unicamente por meio de Cristo (judeus, turcos, papistas, falsos santos, hereges, etc.), andam em horrível escuridão e erro. E nada lhes aproveita o fato de levarem um tipo de vida honesta e sóbria, de se dedicarem a grande devoção, sofrerem muito, amarem e honrarem Deus, conforme se jactam, etc. Pois, visto que eles não quererem ouvir Cristo, ou crer nele (sem o qual ninguém conhece deus, ninguém obtém o perdão dos pecados, ninguém vem ao Pai), eles permanecem sempre em dúvida e incredulidade, não sabem como se encontram em relação com Deus e, finalmente, devem morrer e se perder em seus pecados. Pois, “quem não honra o Filho, não honra o Pai (1Jo 2). “Quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus.” [Jo 3.36]
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XCVII

Seguidamente é perguntado: por que pobres diabos têm dias tão bons, e vivem um longo tempo em regozijo e prazer, segundo o desejo de seu coração, com corpo são, filhos educados, etc., enquanto Deus permite aos fiéis permanecerem na calamidade, em perigo, angústia e privação por toda a sua vida? E por que ele permite que alguns morram também na miséria, como S. João Batista, que foi o maior dentre os santos na terra? Isso, sem falar de nosso único Salvador Jesus Cristo!
Os profetas todos escreveram muito a respeito disso, e mostraram como os cristãos teriam de passas por tais dúvidas e consolar-se nelas. Jeremias disse: “Por que prospera o caminho dos perversos, e vivem em paz todos os que procedem perfidamente?” [Jr 12.1] Mais adiante, porém, ele diz: “Tu os deixaste em liberdade, como ovelhas que serão mortas, e os preparaste para os dias da matança.”[Jr 12.3] [N. do T.: ARA tem o seguinte texto: “Arranca-os como as ovelhas para o matadouro e destina-os para o dia da matança.”]. Leia também os Salmos 37; 49 e 73.
Deus, portanto, não está irado com os seus filhos, embora os discipline e puna. Contudo, ele está irado com os incrédulos que não reconhecem Cristo como sendo o Filho de Deus e Salvador do mundo, mas blasfemam e condenam a Palavra. Esses não poderão esperar nenhuma graça e ajuda dele. E, realmente, ele mesmo não castiga nem bate em seu pequeno povo que depende de Cristo, mas permite que sejam corrigidos e punidos quando se tornam seguros e ingratos pelas suas indescritíveis graças e benefícios a eles revelados em Cristo, sendo desobedientes à sua Palavra. Então, Deus permite que o diabo machuque nossos calcanhares e nos envie pestilência e outras pragas. Também permite que tiranos nos persigam, e isso para o nosso bem, para que por esse modo sejamos movidos e, de certa forma, forçados a nos voltarmos para ele, invocá-lo e buscar auxílio e consolo dele, por meio de Cristo.
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XCVIII

“Deus é Deus de vivos, e não de mortos” [Mt 22.32]. Esse texto revela a ressurreição. Pois se não houvesse nenhuma esperança da ressurreição, ou de outro mundo melhor, após essa curta e miserável vida, como poderia Deus oferecer-se para ser o nosso Deus, e dizer que ele quer nos dar tudo o que é necessário e saudável para nós e, no fim, libertar-nos de toda tribulação, tanto temporal como espiritual? Com que finalidade ouviríamos a sua Palavra e creríamos nele? Em que fomos melhores quando gritamos e olhamos para ele em nossa angústia e necessidade, aguardamos com paciência o seu conforto e salvação, sua graça e benefícios, revelados em Cristo? Por que louvar e agradecer-lhe por eles? Por que estar diariamente em perigo, e permitir-nos que sejamos perseguidos e mortos por causa da Palavra de Cristo?
Considere que o eterno, misericordioso Deus, por meio de sua Palavra e Sacramento, nos fala e lida conosco, não de coisas temporais que pertencem a essa vida vã e que no princípio providenciou ricamente para nós. Nisso estão excluídas todas as outras criaturas. Considere, ainda, para onde iremos quando partirmos daqui. Deus nos dá o seu Filho para ser nosso Salvador, libertando-nos do pecado e da morte, e adquirindo-nos eterna justiça, vida e salvação. Portanto, está garantido que não morreremos assim como as bestas que não têm nenhuma compreensão. Muitos de nós, dormindo em Cristo, seremos ressuscitados por ele para a vida eterna no último dia, e os incrédulos para a destruição eterna (Jo 5; Dn 12).
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XCIX

O mais aceitável serviço que podemos prestar e oferecer a Deus, e que ele espera de nós, apenas, é que ele seja adorado. Contudo, ele não é adorado, a menos que seja primeiro amado. Ele não é amado, antes que primeiro seja generoso e faça o bem. Ele faz o bem quando é gracioso. Ele é gracioso quando perdoa pecados. Agora, onde estão aqueles que o amam? Esses são aquele pequeno rebanho dos fiéis, que reconhecem essas bênçãos, e sabem que por meio de Cristo têm o perdão dos seus pecados. Os filhos desse mundo, porém, não se preocupam com isso. Eles servem ao seu ídolo, aquele mau e maldito Mammon. No fim, ele os recompensará.
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C

Nosso amoroso Senhor Deus quer que nós comamos, bebamos e sejamos felizes fazendo uso de suas criaturas, pois para isso ele as criou. Ele não quer que nos queixemos como se ele não tivesse dado o suficiente, ou se ele não pudesse manter nossas pobres carcaças. Ele apenas requer de nós que o reconheçamos como nosso Deus e lhe sejamos gratos pelos seus dons.
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CI

Aquele que não tem Deus, tenha ele o que quiser, é mais miserável do que Lázaro que, deitado junto ao portão do rico, morria de fome. Acontecerá com esse tal assim como aconteceu com o glutão que teve de passar fome e privação eterna e não terá sob seu poder nem mesmo uma gota d’água.
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CII

De Abraão nasceram Isaque e Ismael. Dos patriarcas e dos santos pais procedem aqueles que crucificaram Cristo. Dos apóstolos surgiu Judas, o traidor. Da cidade de Alexandria (onde havia uma escola bela, ilustre e famosa, e de onde surgiram muitos homens justos e piedosos) provêm Ário e Orígenes. Da igreja Romana, que produziu muitos santos mártires, surgiu o blasfemo Anticristo, o papa de Roma. Dos santos homens na Arábia, veio Maomé. De Constantinopla, onde haviam muitos excelentes imperadores, apareceram os turcos. De mulheres casadas, apareceram as adúlteras, de virgens, as prostitutas. Dos irmãos, filhos e amigos, surgiram os mais cruéis inimigos. De anjos vieram os demônios; de reis, os tiranos. Do evangelho e verdade divina surgiram mentiras horríveis. Da igreja verdadeira surgiram os hereges. De Lutero, vieram os fanáticos, rebeldes e entusiastas. Não admira que o diabo está entre nós, procede de nós e sai de nós. Devem haver, realmente, muitas coisas más que não podem permanecer com tal bondade. E devem haver também muitas coisas boas que podem suportar essas coisas más.
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CIII

Embora por causa do pecado original muitas bestas selvagens ferem a humanidade, como leões, lobos, ursos, cobras, víboras, etc., o misericordioso Deus, de tal maneira mitigou nossas bem merecidas punições, que existem muito mais bestas que nos servem para nosso bem e proveito, do que as que nos ferem. Há muito mais ovelhas do que lobos, mais bois do que leões, mais vacas do que ursos, mais cervos do que raposas, mais lagostas do que escorpiões, mais patos, gansos e galinhas do que corvos e papagaios, etc. Entre todas as criaturas, há mais boas do que más, mais benefícios do que feridas e empecilhos.
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CIV

Deus que ter seus servos como pecadores arrependidos que tenham medo da sua ira, do diabo, da morte, do inferno e creiam em Cristo. Davi diz: “Perto está o SENHOR dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido.” [Sl 34.18] E Isaías diz: “Onde repousará o me Espírito, e onde habitará? Naqueles que são de espírito humilde e temem a minha Palavra”. Assim acontece com o pobre pecador na cruz. Assim aconteceu com Pedro, quando negou Cristo; com Maria Madalena; com Paulo, perseguidor, etc. Todos esses estavam tristes por seus pecados e terão o perdão dos mesmos e serão servos de Deus.
Os grandes prelados, os santos ufanados, os ricos agiotas, os criadores de bois que buscam o lucro excessivo, etc., esses não são servos de Deus, nem seria bom que fossem. Pois, então, nenhuma pessoa pobre teria acesso a Deus por causa deles. Nem seria para a honra de Deus que esses seriam seus servos, pois atribuiriam a honra e o louvor para si mesmos.
No Antigo Testamento, todos os primogênitos eram consagrados a Deus, tanto dos seres humanos como também dos animais. O primogênito tinha uma vantagem sobre os seus irmãos; ele era seu senhor, o primeiro nas ofertas e riquezas, isto é, no governo espiritual e temporal, pois detinha o direito ao sacerdócio e ao domínio, etc. Todavia, há muitos exemplos nas Escrituras Sagradas em que Deus rejeitou o primogênito e escolheu o irmão mais novo, como Caim, Ismael, Esaú, Rubem, etc., tornando-se [o mais novo] o primogênito. Deus lhes tirou o seu direito e o deu ao irmão mais novo, como a Abel, Isaque, Jacó, Judá, Davi, etc. Isso, pelo seguinte motivo: eles eram soberbos, presunçosos, vangloriosos de sua primogenitura e desprezavam aos seus irmãos que eram muito melhores e mais piedosos do que eles. Isso Deus não poderia suportar. Por isso eles foram destituídos de suas honras, de modo que não poderiam mais orgulhar-se por serem os primeiros nascidos, embora fossem altamente considerados no mundo e dominassem sobre terras e pessoas.
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CV

As Escrituras revelam dois tipos de sacrifícios agradáveis a Deus. O primeiro é o assim chamado sacrifício de ação de graças ou louvor. Este ocorre quando ensinamos e pregamos a Palavra de Deus puramente. Também, quando a ouvimos e recebemos com fé, quando a reconhecemos e fazemos tudo o que contribui para que seja amplamente semeada. Ainda, quando damos graças a Deus de coração por seus benefícios indescritíveis que por meio da sua Palavra são colocados diante de nós e nos são concedidos em Cristo. Igualmente, quando o louvamos e glorificamos, etc., “Oferece a Deus sacrifício de ações de graças” [Sl 50.14]. “O que me oferece sacrifício de ações de graças, esse me glorificará” [Sl 50.23]. “Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre.” [Sl 118.1]. “Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios.” [Sl 103.1-2]
O segundo tipo de sacrifício agradável a Deus ocorre quando um coração triste e atribulado por todo tipo de tentações se refugia em Deus, o invoca com fé verdadeira e correta, busca o auxílio dele e pacientemente espera nele. Acerca disto, os Salmos dizem: “Na minha angústia, clamo ao SENHOR, e ele me ouve.” [Sl 120.1]. “Perto está o SENHOR dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido.” [Sl 34.18]. “ Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” [Sl 51.17]. E ainda, “invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás.” [Sl 50.15].
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